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27 março 2020

O Espólio do Senhor Cipriano


Não era muito famosa a razão entre o deve e o haver nas contas do senhor Cipriano... 
A subsistência deste homem dependia do cultivo e venda de produtos agrícolas a muitos habitantes da sua aldeia e de outras próximas, sobretudo a famílias mais jovens que trabalhavam na indústria localizada na vila próxima, a cerca de 20 quilómetros de distância. Muito ligadas às suas raízes, familiares mais velhos e amigos, aquela gente orgulhava-se de morar nas aldeias e era renitente quanto à residência permanente na vila, a curta distância do local trabalho. Preferia a deslocação diária entre as aldeias e a vila. Com o tempo todo ocupado no seu trabalho, estas famílias recorriam directamente ao senhor Cipriano na compra dos produtos agrícolas. 
Prosperando desta forma, Cipriano cultivava terrenos próprios e outros arrendados dos quais obtinha o seu sustento e o de outros camponeses que para ele trabalhavam entre os períodos das sementeiras e das colheitas. Este trabalho ocupava praticamente o ano inteiro de trabalho, pois a variedade de produtos agrícolas que poderiam encontrar-se na sua exploração tinha diferentes períodos de semeio e de colheita. 
Mas a vida e a actividade do senhor Cipriano complicaram-se após a dissipação de um grave surto epidémico que grassou nas aldeias, afectando a sua população local. Foram momentos difíceis cheios de incertezas e de riscos nas suas vidas, os quais foram agravados pelas deficientes condições sanitárias e pela ausência de um sistema de saúde próximo e acessível. Tal situação levou a que a maioria daquelas jovens famílias que davam vida às suas aldeias tenha decidido fixar residência permanente na vila, onde as condições eram bem melhores. 
Avizinhando-se assim o despovoamento da aldeia e o final brusco de muitas actividades, entre elas aquela que o senhor Cipriano exercia... 
Numa fase inicial, o homem ainda se deslocava à vila carregado de produtos para vendê-los aos seus conterrâneos mas, com o avançar do tempo, passaram a ser cada vez menos aqueles que lhe requisitavam o que quer que fosse. Os custos de produção e de deslocação tornaram-se incomportáveis e o senhor Cipriano teve de cessar com a venda dos produtos e o respectivo cultivo. À excepção dum pequeno pedaço junto à casa, os seus terrenos deixaram de ser semeados, tornando-se incultos. Algumas das dívidas contraídas foram saldadas com a venda de máquinas e materiais agrícolas. Restaram-lhe os móveis, cama, utensílios caseiros sem valor, outros pertences e um amontoado de facturas que certamente faria questão de pagar se entretanto a doença e a morte não lhe batessem à porta. 
Na nobreza do seu esforço, dedicação e trabalho de uma vida tornou-se pobre o espólio do senhor Cipriano...






































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