As fortes dores por que passava um amigo levaram-me a acompanhá-lo até às urgências do Hospital do Divino.
Estranho mesmo foi o facto de não encontrarmos este hospital a abarrotar doutros pacientes com as suas pulseirinhas coloridas, tal como é típico noutras unidades hospitalares. Para além do paciente amigo, nem mais um... sequer!
Perante tamanha surpresa questionámo-nos um ao outro em perfeita sintonia se, à semelhança do que acontece na generalidade do Serviço Nacional de Saúde, a falta de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar terá levado ao encerramento da unidade de saúde que, apesar de tudo, tinha as portas entre-abertas. Portas semi-abertas... Então a escassez de pessoal alarga-se a seguranças e porteiros!
Mas não! Este é um hospital modelo a funcionar em modo “self-service”, todo equipado com tecnologia de ponta e robotizada em que o paciente se dirige às máquinas para se identificar e dizer o que se passa com ele próprio. Elas tratam de orientar o paciente em todo o processo, desde o check-in até ao momento em que ele tenha alta ou lhe seja declarado o óbito.
Então o paciente amigo que eu acompanhava lá introduziu os seus dados de identificação no computador que se encontrava no hall de entrada e, de imediato, uma voz robotizada informou que o paciente se encontrava na fase de pré-triagem e pediu-lhe para descrever o problema respondendo às questões que lhe fossem colocadas ou digitando no teclado do PC um 1 ou 0 conforme fosse sim ou não...
Após o interrogatório, a voz ordenou ao paciente amigo que se dirigisse à secção de triagens especiais que ficavam no piso 0 ao lado do gabinete de enfermagem, onde uma outra máquina mais sofisticada o aguardaria para exames preliminares.
Para lá nos dirigimos e, ao chegarmos, imediatamente uma porta ao lado do gabinete de enfermagem abriu-se automáticamente ao mesmo tempo que uma outra voz, algo semelhante à primeira, o mandava entrar tratando-o correctamente pelo seu nome. Lá segui atrás dele para entrar mas logo a voz entrou de novo em acção: “Entrada não permitida! A porta vai encerrar”. Recuei mas ainda assim deu para ver de relançe os aparelhos que iriam examiná-lo!
Fiquei momentaneamente só naquele longo e silencioso corredor esperando ansiosamente que o paciente amigo não demorasse muito tempo na examinação.
Aproveitei para dar uma rápida vista de olhos por algumas portas que se encontravam abertas ao longo do corredor. Vi quartos com camas articuladas e respectivos colchões, todos sem pacientes. Outras salas tinham cadeiras e cadeirões prontos para os receber e uma sala de fisioterapia com aparelhos completamente preparados para funcionar a qualquer momento que um paciente entrasse. Segui por um outro corredor com outras salas, quartos, casa de banho e vestíbulos, com os apetrechos próprios e adequados à funcionalidade do local.
Só não entendi porque existiam algumas camas nos corredores e noutros lugares que não eram quartos. Presumi que fosse uma exposição montada por um curador habilidoso para retratar e caricaturar a triste realidade do sistema de saúde que não consegue albergar os seus enfermos no devido lugar.
No final do corredor encontrei uma porta azul completamente escancarada que dava acesso à sala de arquivo cheia de estantes completamente carregadas, de baixo acima, com milhares de processos de pacientes. Uma outra sala próxima mantinha também processos e outros documentos, mas desta feita embrulhados em sacos azuis que se encontravam numerados.
De regresso ao corredor e porta onde deixara o paciente amigo aos cuidados médicos, retive-me em dois chaveiros pendurados na parede e questionei-me sobre a sua utilidade sabendo já que existem portas abertas e outras que se abrem de forma automática...
Não foi preciso esperar muito junto à porta para que ela se abrisse e de lá saisse o paciente amigo. Para além do seu sofrimento, apresentou-se cabisbaixo e triste, dizendo-me que iria ficar internado no piso superior, num quarto privativo. Disse que recebeu instruções para seguir imediatamente para lá mas antes teria de levar a chave Nº 15 que se encontra num chaveiro do piso onde nos encontrávamos. Que ao chegar ao átrio da ala de internamentos deve sentar-se numa cadeira de rodas e aguardar a chamada que ocorrerá em simultâneo com a abertura automática da porta.
Foi naquele momento que entendi a utilidade do tal chaveiro, para o qual nos dirigimos. De seguida, percorremos até ao final do corredor e subimos umas escadas em direcção à ala dos internamentos. Junto à porta de entrada encontrava-se uma cadeira de rodas vazia sobre a qual o paciente amigo se sentou contorcendo-se de dores e afirmando que os seus olhos viam luzes que acendiam e apagavam. Consolei-o dizendo-lhe que em breve ele estaria a ser tratado.
Fiz-lhe companhia naquele espaço até ao momento em que a porta dos internamentos se abriu automáticamente e a voz já familiar o convidou a entrar...
VÍDEO
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