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20 novembro 2019

A ermida do outeiro


Em tempos remotos, um homem percorria um trilho em direcção ao litoral. Vinha do interior sul e já tinha uns bons quilómetros nas pernas sem qualquer pausa e descanso. Os campos verdejantes ostentavam a primavera que era mas estava bastante calor nesse dia. 
Teimava em avançar sem parar mas o seu destino ainda ficava distante e as forças começavam a exigir uma pequena paragem para restabelecer a energia. Chegado a uma vasta área plana, avista ao longe um pequeno outeiro com algumas árvores. O caminho que o orienta vai mais ou menos na sua direcção e vê ali um local ideal para descansar um pouco. Chegado ao outeiro, apenas bastou umas dezenas de metros para desviar do caminho e dirigir-se até ao pequeno aglomerado de árvores. Poisou a sua sacola onde trazia alguns haveres, comida e água. Tirou o chapéu, fechou os olhos, limpou o suor da testa e do rosto até voltar a abrir os olhos e percorrer com eles toda a paisagem constituída por um grande campo plano e verde ladeado por pequenos montes. Sem tirar os olhos daquela natureza, sentou-se "saboreando" a melancolia e paz que lhe invadiram também o seu interior e o fizeram estender-se sobre as verdes ervas. Deixou-se dormir e só na manhã seguinte é que acordou, sem fome, sem sede, sem cansaço e cheio de energia para continuar o caminho... 
Obra de algum dom divino, as dádivas que aquele sítio lhe ofereceu não o deixaram prosseguir, tal eram reconfortantes o seu estado físico e mental. Decidiu ali permanecer por mais algum tempo para continuar a alimentar-se daquela tranquilidade e reflectir sobre o porquê da inesperada leveza espiritual em que se sentia. Estranhamente, a fome e a sede não o atacavam... Ao terceiro dia o seu sossego foi interrompido pela aproximação de um casal que, ao passar no caminho em direcção a uma aldeia próxima que habitavam, viram o homem e a ele se foram chegando, perguntando-lhe se necessitava de cuidados. 
Ele contou-lhes sobre a sua proveniência e destino, sobre os efeitos da paragem no local que atribuiu a alguma intervenção divina e miraculosa que o retivera ali, fazendo com que perdesse a vontade de prosseguir viagem. Disse ainda que já tinham passado três noites desde que ali chegara e que não teve necessidade de se alimentar. 
O casal, homem e mulher, mostraram alguma surpresa com a narração que o homem viajante lhes fez e afirmaram que já descansaram várias vezes no local e, também eles, tiveram sensações semelhantes mas menos intensas. Comentaram que talvez o sítio tivesse atributos sagrados e que por isso deveria ali ser edificada uma ermida em veneração a um santo. O homem viajante concordou de imediato com a ideia afirmando que, de certeza, o motivo da sua permanência estava relacionado com alguma tarefa de que fora incumbido de realizar naquele local e que ainda não tinha conseguido identificá-la. Para ele, aquele homem e aquela mulher eram anjos que Deus lhe enviara ao caminho para o ajudarem a decifrar a mensagem dívina: construir uma ermida em veneração a São Cristovão dos Viajantes do Outeiro. Centrada sobre a forma e os meios de levar a cabo tal empreitada de construir ali uma ermida, a conversa continuou por mais algum tempo, terminando com um convite do casal dirigido ao homem viajante para deles ser hóspede na casa que habitavam na aldeia próxima e lá continuar, com o auxílio do casal, a efectivar a tarefa que lhe foi atribuída. 

Nota: qualquer semelhança com a verdadeira história desta ermida é pura coincidência. 

Muitos anos depois, a ermida ainda por lá se encontra no estado que o video e as fotografias sugerem...

  

















10 novembro 2019

Casa da carroça


Uma casa simples e solitária nas entranhas da serra! Daquelas que alguns estrangeiros europeus gostam de ter para fugir ao stress citadino das grandes cidades. 
Que adiantaria ter uma história verídica desta casa na serra e de quem a habitou? Dizer que esta casa tem quartos, cozinha, sala, quarto de banho? Haverá alguma casa que não tenha estas divisões? 
A minha atenção vira-se para um calendário de 2013 em língua alemã pendurado na parede duma divisão da casa, presumindo assim que os últimos inquilinos da casa tivessem nacionalidade alemã e que a sua saída tenha ocorrido uns dois anos antes da minha visita ao local. 
Talvez uma família de germânicos com dois ou mais filhos... Se assim não fosse, para que serviria o beliche que se encontra num dos quartos? O carro de bébé deslocado numa zona de arrumos faz pressupor que tenha sido utilizado numa ocasião mais remota e que, já numa fase mais recente, a criança que nele andou sentada tivesse crescido o suficiente para poder deitar e dormir no beliche. 
A proximidade com a natureza tem a vantagem de se poder conviver com ela e obter dela algum sustento de forma equilibrada. A carroça, o forno do pão e as pipas de vinho são o sinal dessa ligação que a família alemã mantinha com o meio envolvente. 
E estando a família em Portugal, porque não assimilar alguns valores próprios do país de acolhimento através de símbolos associados ao desporto? Num dos quartos está pendurado o cachecol de apoio à selecção nacional e num outro quarto o cachecol do Benfica confunde-se com uma decoração de natal por causa da cor. 
A zona sossegada onde a casa se encontra oferece maior riqueza que o espaço humilde e rudimentar ostentado pelo espaço habitacional. Paz de espírito, silêncio e liberdade terá sido o que a hipotética família encontrou neste local, onde os filhos podem brincar na rua sem restrições, viver a vida sem pressas e os ruídos emitidos se limitam unicamente aos sons naturais. Será necessário ter um casarão bem recheado para usufruir destas condições de vida?